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Por que Lewis Hamilton incomoda a branquitude

Os comentários de Nelson Piquet em relação a Lewis Hamilton nos revelam que “o colonizador nunca reconheceu a humanidade dos alforriados”

George Oliveira

6 min

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“Aprendi com Alice Walker que os brancos, como Nelson Piquet, sempre deixarão escapar as falas racistas, ao estilo ‘aquele neguinho’, pois, na verdade, estão honrando o DNA dos seus ancestrais. A linguagem racista, segundo a psicanalista Lélia Gonzalez, não é um lapso. Piquet conscientemente põe pra fora o discurso dominante da brancura e branquidade históricas que construíram a sua identidade.”[1]
 

Este trecho acima foi compartilhado por Carla Akotirene, doutora em Estudos Feministas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 28 de junho de 2022, como legenda do print de uma matéria do Globo Esporte (GE) divulgada no dia anterior e intitulada: “Hamilton alfineta Piquet por fala racista e resposta fã: “Quem é Nelson Piquet?’ – Heptacampeão se pronunciou em português nas redes sociais diante de repercussão de termo discriminatório adotado pelo ex-piloto brasileiro durante entrevista, e cobrou mudanças.”

Segundo a mesma matéria, a expressão “neguinho” foi usada por Piquet numa entrevista divulgada na internet, através da plataforma YouTube, em novembro de 2021. No vídeo, Piquet falava sobre a batida de Hamilton, heptacampeão britânico da Mercedes, com o atual campeão da F1, Max Verstappen na edição do GP da Inglaterra daquele ano. Piquet é sogro de Verstappen. O caso ganhou notoriedade na última semana, principalmente por conter um trecho em que Piquet, ex-automobilista e empresário brasileiro, afirma que Lewis Hamilton teve a intenção de tirar Verstappen da corrida no Circuito de Silverstone e, quando questionado, compara a manobra de Hamilton com outra similar realizada por Ayrton Senna:

“O ‘neguinho’ meteu o carro e deixou. O Senna não fez isso. O Senna não fez isso. Ele foi, assim, ‘aqui eu arranco ele de qualquer maneira’. O ‘neguinho’ deixou o carro. É porque você não conhece a curva; é uma curva muito de alta, não tem jeito de passar dois carros e não tem jeito de passar do lado. Ele fez de sacanagem.”[2]

Retornamos aos comentários de Akotirene em suas redes sociais. Eles nos revelam, de forma enfática, que “o colonizador nunca reconheceu a humanidade dos alforriados!!”. Akotirene segue na tentativa de elucidar tal comportamento do ex-piloto branco frente à manobra realizada pelo piloto negro:

“A memória aflora aquilo incapaz de ser reprimido.
Na cabeça dele, se estamos pobres é porque somos negros, se estamos milionários é porque queremos ser brancos, mas somos apenas neguinhos e neguinhas. O racista tem uma estrutura psíquica de superioridade, um delírio moderno, ao mesmo tempo a própria desimportância de quem se sabe, se reconhece e se sente branco perdedor. O branco vê o outro passando na frente!!”
[3]
 

Para não “passar em branco”

Lewis Hamilton, que nos últimos anos se tornou um dos principais atletas e ativistas da luta antirracista mundial, respondeu em sua conta do Twitter que sempre esteve cercado por essas atitudes, e contou ter sido alvo dessas manifestações ao longo da vida. Ainda sobre o racismo e antirracismo, Hamilton escreveu que houve muito tempo para aprender e que agora é a hora da ação:
“Vamos focar em mudar a mentalidade”, disse o piloto da Mercedes em português, para depois acrescentar em inglês: “É mais do que linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar em nosso esporte.”[4]

Piquet fez um pedido desculpas para o piloto que recentemente recebeu a cidadania brasileira honorária e é o único piloto negro do esporte. Ele nega que sua declaração teve cunho racista e pede desculpas “de coração a todos que foram afetados, incluindo Lewis que é um piloto incrível.” Ainda de acordo com a nota, a tradução que circula em alguns veículos e nas mídias sociais não é correta e que o que disse na entrevista “foi mal pensado, e não defendo isso”. Para ele, o termo usado é aquele que tem sido largamente e historicamente utilizado coloquialmente no português brasileiro como sinônimo de ‘cara’ ou ‘pessoa’ e nunca teve a intenção de ofender.

Lewis Hamilton incomoda muita gente!

Recorremos, agora, ao brilhante texto do cantor e compositor, Ricardo Nêggo Tom, publicado no Brasil 247 cujo título já é bastante autoexplicativo: “O racismo recreativo de Nelson Piquet e como a supremacia branca reage à negritude que a supera.” Como se não fosse o bastante, o subtítulo reafirma e completa: “Nelson Piquet precisa harmonizar sua convicção de superioridade racial com o fato de que um homem negro é infinitamente superior a ele.”[5]

Tom inicia o texto falando sobre o “Racismo recreativo”, conceito-livro de autoria do jurista e professor de direito Adilson Moreira. Revela que ele explica o porquê de o “neguinho” ter sido utilizado pelo ex-piloto como pronome de tratamento à Lewis Hamilton. O texto traz uma citação de Moreira, publicada nas redes sociais: “Lewis Hamilton é um homem negro. Lewis Hamilton é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. Lewis Hamilton tornou a carreira de Nelson Piquet INSIGNIFICANTE.”[6]

A representatividade é dos temas abordados por Tom a partir de experiências pessoais frente às relações raciais no Brasil. Trata, também, do quão inaceitável é a superação de um homem negro e a certeza de que Piquet nunca mais terá a oportunidade de igualar a marca de Hamilton, ficando eternamente inferiorizado a esse “neguinho” na história da Fórmula 1. Isso porque, além dos sete títulos mundiais, Lewis pode conquistar outros — e Piquet só conseguirá algum destaque nas manchetes dos jornais, servindo de chofer para um presidente tão racista e rancoroso quanto ele.

Como conclusão deste texto, mas não da polêmica relatada acima, surgem rumores de que Piquet não poderá voltar ao local que abriga as equipes, veículos, oficiais de prova e convidados durante as corridas, conhecido como Paddock. A Mercedes e a própria Federação Internacional de Automobilismo – FIA, se pronunciaram sobre o caso, repudiando a fala de Piquet. Findamos este texto, no momento em que o debate ainda está em curso e na certeza de que as manobras e os racistas não passarão e de que Lewis Hamilton ainda incomodará várias outras mentes racistas mundo a fora.


George Oliveira é doutorando em educação pela Faculdade de Educação – FACED, na Universidade Federal da Bahia – UFBA; mestre em Desenvolvimento e Gestão Social; Especialista em Inovação, Sustentabilidade e Gestão de Organizações do Terceiro Setor; Graduado em Ciências Econômicas. Consultor de empresas nos temas diversidade, inclusão e equidade; Escritor de textos antirracistas para blogs e sites, em 2021 lançou seu primeiro livro: Denegrir – Educação e Relações Raciais. @livrodenegrir  //// grbo2003@yahoo.com.br

 

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