Mobilização e articulação
O debate sobre ir ou não aos protestos é infrutífero. Mas uma coisa, para mim, é certa: fora da organização popular, não encontraremos saída para esse abismo

Mobilização e articulação
Por que voltamos às ruas
O debate sobre ir ou não aos protestos é infrutífero. Mas uma coisa, para mim, é certa: fora da organização popular, não encontraremos saída para esse abismo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu...
Castro Alves
Participar dos protestos do último dia 29 me deixou esperançosa. Na rua, reencontrei amigos que não via há muito tempo. Matei saudade, mas não foi só isso: entendi que, apesar das distâncias, ainda nos reencontramos na luta. De braços dados (nesse caso, figurativamente, claro!). Novos protestos estão marcados para o próximo sábado, 19. Eles são, no mínimo, um marcador importante: se o povo vai às ruas no meio da pandemia é porque pesam, sobre esse povo, perigos maiores que o próprio vírus. Quando o povo vai às ruas é porque está morrendo. Não acredito que isso baste para pôr fim a esse (des) governo. Não sou tão otimista. Mas gera desgaste. E isso importa.
Mesmo assim, entendo quem teme participar das mobilizações. Longe de mim querer definir como as pessoas devem se posicionar. Confesso: tenho inúmeras perguntas e nenhuma resposta, mas me sinto provocada, pelo movimentar da roda caótica do mundo, a levantar algumas reflexões.
Quarentena, isolamento social, home office. Medidas que poderiam nos assegurar alguma proteção na pandemia, depois de um ano e mais de 490 mil mortos, se confirmaram como privilégios de poucos. Há um contingente de pessoas que vive em situação de vulnerabilidade, e para as quais essas medidas de proteção não foram asseguradas. A pandemia expôs o abismo social que as sociedades contemporâneas vivem.
Defendemos confinamento ou bloqueio social, a restrição da movimentação das pessoas, e tudo isso é muito importante para tentar deter o vírus. Mas, ao fazer isso, quem estamos protegendo? Como garantir segurança àqueles de nós que precisamos sair de casa para trabalhar? Aqueles para os quais o home office não é uma possibilidade?
É preciso fazer mais. Fazer tudo o que o atual (des) governo não fez. Houve profundo descaso na criação de políticas de assistência social que pudessem garantir o mínimo para a sobrevivência das pessoas. Houve incentivo ao agronegócio que fez o PIB crescer, ao mesmo tempo em que o país — e as pessoas que vivem no país — amargam números recordes de desemprego. Houve políticas para o mercado, mas não para as pessoas.
A situação nos impôs uma contradição. Não ir as ruas pode ajudar a deter a propagação do vírus. Mas deixar de agir aprofunda a gravidade da pandemia na vida das pessoas. A pandemia é um problema coletivo. Mas seu avanço causas danos e dores muito individuais. Sofrem mais as pessoas negras, as mulheres, as pessoas que vivem às margens e nas periferias.
De todo modo, acho que não é preciso haver uma disputa entre quem quer ir para a rua e aqueles que não querem (muitas vezes, por impossibilidade, ou por um medo justificado). A disputa da narrativa “ vai ou não para rua” diminuiu nossa capacidade de perceber que existem outras formas de mobilização e digo mais, tem nos colocado uns contra os outros. É urgente que movimento social, entidades, sindicatos, associações passem a se organizar a partir daquilo que acreditam seja possível fazer. Todas as ações são relevantes e tem peso no sentido de mobilizar o conjunto da sociedade, no que as pessoas se dispõem a fazer. Lembre, vivemos numa conjuntura diferente de tudo que já vimos. A certeza é que o (des) governo é o inimigo comum.
É preciso olhar para todas as formas de manifestação e se engajar nelas concretamente, caso ir para rua se mostre perigoso. Sim o vírus, a aglomeração, pode nos levar ao abismo, à morte. Sair para trabalhar sem garantias mínimas de segurança, estar exposto ao desmonte das estruturas do estado, que em tese deveriam nos proteger e ainda conviver com o medo da contaminação também.
É preciso avaliar o que cabe para cada um dentro do que acreditamos como sendo a melhor opção de engajamento para que as necessidades do coletivo ganhem peso e sejam atendidas.
Penso que quanto mais pessoas assumirem o compromisso e a responsabilidade de se engajar colocando faixas de protestos nos principais pontos da cidade que mora, criando conteúdos e alimentando perfis nas redes sociais que denunciem o (des) governo e compartilhando iniciativas de protesto, maior será nosso alcance.
Uma certeza eu carrego comigo: fora da organização popular, vamos demorar mais para termos um país que valorize nossas vidas.
Foto de topo: Mídia Ninja
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