Povos indígenas do Brasil: quantos são, onde vivem, como lutam por direitos
Brasil de Direitos reúne informações sobre os 266 povos originários que vivem no país
Rafael Ciscati
10 min
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Foto de topo: Mário Vilela/Funai
Munduruku, Yanomami, Huni-Kuin, Guajajara, Guarani, Krenak, Pataxó, Terena. Existem pouco mais de 1,6 milhão de pessoas autodeclaradas indígenas vivendo no Brasil hoje. Representantes de 266 povos, espraiados por todos os estados brasileiros, e falantes de, pelo menos, 166 idiomas.
Os dados são do último Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números, divulgados no início de maio de 2023, são ainda uma estimativa preliminar: o instituto deve divulgar a contagem definitiva somente em agosto. É possível que a cifra aumente. O dado estimado já traz uma boa notícia: indica que, desde a pesquisa anterior, o número de indivíduos que se reconhecem como indígenas cresceu.
O aumento da população indígena brasileira é um fenômeno constatado desde o Censo de 2010. A pesquisa daquele ano foi um marco: até ali, o IBGE somente perguntava se a pessoa era ou não indígena. Em 2010, o Instituto passou a perguntar a que povo o entrevistado pertencia. Etnias consideradas desaparecidas pelo governo – porque foram perseguidas e sufocadas – ressurgiram. Caso dos Puri, cuja história já contamos aqui na Brasil de Direitos.
Na época, especialistas destacaram que o aumento dos indígenas no censo não significava, necessariamente, que essa população crescera. Era um indicativo de que mais gente estava disposta a reconhecer e valorizar suas raizes. Mais gente estava disposta a declarar, para o mundo, pertencer a um povo originário.
A revalorização das identidades indígenas é um avanço em um país que, por séculos, se dedicou a exterminar esses povos e apagar suas culturas. Estima-se que, quando os europeus chegaram à costa brasileira, havia entre 2 e 4milhões de pessoas vivendo nesses territórios. O número diminuiu conforme a presença dos colonizadores aumentou. Ora vítimas de doença, ora sob a mira das carabinas, uma multidão de indígenas tombou.
A crença de que os indígenas, por fim, desapareceriam, influenciou as políticas adotadas pelo Estado brasileiro mesmo em períodos democráticos. Até meados dos anos 1970, vigorou soberana a concepção de que os indígenas representavam uma categoria transitória, destinada a desaparecer assimilada pela sociedade nacional. Era uma época em que os povos originários não eram considerados sujeitos de direitos: entendia-se que estavam sob a tutela do Estado. Coube ao movimento indígena, ainda nos últimos anos da ditadura militar, se organizar para cobrar direitos políticos.
O resultado dessa mobilização, que contou com o apoio de outros setores da sociedade civil organizada, foi a inclusão de um capítulo destinado aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988. A Carta assegura, por exemplo, o direito desses povos aos seus territórios tradicionais. E diz que é obrigação do Estado brasileiro demarcá-los.
O Brasil avançou nas últimas décadas: da condição de tutelados, os povos originários passaram a sujeitos de direitos. Hoje, contam com um Ministério dos Povos Indígenas, cuja ministra, Sônia Guajajara, foi também a primeira mulher indígena candidata à vice-presidência da república.
Mas há perigos e ameaças pelo caminho. Da proposta do marco temporal à violência armada que ameaça povos pelo país. Nos últimos anos, Brasil de Direitos se empenhou em acompanhar os principais lances dessa história. Abaixo, reunimos reportagens e entrevistas que vão te ajudar a entender as principais conquistas e desafios dos povos indígenas do Brasil.
Quantas pessoas indígenas vivem no Brasil?
O Censo Demográfico de 2010 registrou 800 mil pessoas indígenas vivendo no Brasil. Esse é um número que deve aumentar – os resultados da pesquisa de 2022 serão divulgados em breve, no começo de agosto. Dados preliminares do IBGE dão a entender que a população autodeclarada indígena cresceu, e hoje ultrapassa a marca de 1 milhão de pessoas.
O crescimento da população autodeclarada indígena é um fenômeno percebido desde o Censo de 2010. A pesquisa daquele ano permitiu que as pessoas identificassem a qual povo pertenciam. O resultado foi o ressurgimento de etnias consideradas desaparecidas, como os puri.
Para saber mais, leia a matéria:
>>Para preservar cultura, indígenas Puri criam centro de memória online
Quantas terras indígenas existem no Brasil? Qual o tamanho da área demarcada?
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contabiliza 764 terras em diferentes etapas do processo de demarcação. Para entender como a demarcação de terras indígenas funciona, leia a matéria que publicamos sobre o assunto.
O direito dos povos originários aos seus territórios tradicionais foi assegurado pela Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma garantia essencial para que esses povos mantenham sua cultura, seu modo de viver e entender o mundo. Hoje, as terras indígenas brasileiras recobrem cerca de 11% do território nacional.
Para saber mais, leia as matérias:
>>Terras indígenas do Brasil – quantas são e como são demarcadas
>>Como guardiões da floresta protegem o território Kraho-Kanela no Tocantins
Por que é importante demarcar terras indígenas?
A demarcação de terras indígenas é essencial para a sobrevivência cultural dos povos originários. O acesso à terra permite que esses povos mantenham seu modo de vida.
Mas a demarcação também gera benefícios para populações não-indígenas. Um levantamento realizado pelo Mapbiomas constatou que, nos últimos 30 anos, as terras indígenas (demarcadas ou a espera de demarcação) foram os teritórios que mais preservaram a vegetação nativa. Entre 1985 e 2020, apenas 1,6% do desmatamento registrado no Brasil aconteceu nesses territórios.
A preservação da vegetação nativa é importante, sobretudo, em um planeta ameaçado pela crise climática. A floresta em pé é importante, por exemplo, para a manutenção do regime de chuvas. Sem floresta, não há água para a agropecuária. E os povos indígenas demonstraram ser os melhores defensores desses recursos naturais.
Para entender mais, leia a matéria:
>>Na menor terra indígena do Acre, povo Huni Kuin replanta floresta destruída
Garimpo em terra indígena – qual o tamanho desse problema?
Desde 2019, a área afetada por mineração e garimpo em terras indígenas cresceu de forma acelerada. O avanço do garimpo nesses territórios foi resultado do desmantelamento da fiscalização, e de um discurso – encampado por autoridades ligadas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro – simpático a essas atividades. Em 2019, o governo federal chegou a propor um projeto de lei que, se aprovado, abriria território indígenas à exploração minerária.
Grupos de garimpeiros ameaçaram populações indígenas em diversos territórios. Ganharam destaque, em especial, os casos ocorridos na terra indígena Munduruku e na terra indígena Yanomami. A atividade garimpeira é danosa e poluidora: o mercúrio usado no garimpo contamina rios, e é consumido por peixes que servem de alimento para a população. A substância é tóxica, causa males ao sistema nervoso e pode levar à morte.
Além disso, a presença de garimpeiros em terras indígenas é acompanhada por violência contra os povos originários. Nos últimos anos, foram registrados casos de perseguição, morte e prostituição de indígenas.
Para saber mais, leia as matérias:
>>Quais os impactos da mineração em terras indígenas
>>PL da mineração em terra indígena impulsiona economia da destruição, diz Coiab
>>Dario Kopenawa – não quero que meu povo, os Yanomami, morra novamente
>>O avanço do garimpo e da violência na terra indígena Munduruku
O que é o marco temporal?
A tese do Marco Temporal – que está em discussão no Supremo Tribunal e no Congresso – afirma que os povos indígenas teriam direito somente às terras que ocupavam, ou reivindicavam, na data em que foi promulgada a Constituição Federal, em 1988. A tese é defendida por setores ligados ao agronegócio, segundo os quais o estabelecimento dessa data traria segurança jurídica aos proprietários de terras.
Do outro lado, os críticos do Marco Temporal afirmam que essa tese ignora o histórico de perseguições às quais os povos indígenas foram submetidos. Por séculos, esses grupos foram expulsos de suas terras – por isso, muitos nas as ocupavam quando a constituição foi promulgada.
Os críticos do Marco Temporal defendem a tese do Indigenato. Essa interpretação da Constituição entende que o direito dos povos indígenas aos seus territórios é originário: precede a formação do Estado brasileiro.
Para saber mais, leia as matérias:
>>Entenda o marco temporal, e como ele afeta dos direitos dos povos indígenas
>>Marco temporal – como o povo indígena Xokleng foi perseguido e morto pelo Estado
Qual o estado com maior população indígena do Brasil?
A região Norte é a que concentra a maior população indígena no Brasil. Lá, o estado com maior número de indígenas é o Amazonas: cerca de 152 mil pessoas, de acordo com o dado mais recente do IBGE (o instituto deve divulgar novos número em agosto de 2023).
Há indígenas vivendo nas cidades?
Nem toda a população indígena vive em aldeias. Há um número importante de pessoas indígenas vivendo em contexto urbano, nas cidades brasileiras. Mesmo distantes de seus territórios tradicionais, essas pessoas se sentem representantes de seus povos e culturas.
Há também casos de aldeias ou pequenas terras indígenas formadas nas imediações de grandes cidades. É o caso das terras indígenas guarani na cidade de São Paulo
Para saber mais, leia a matéria:
>>A luta dos indígenas guarani no pico Jaraguá
Quem são os Yanomami?
Espalhados entre Brasil e Venezuela, o povo indígena Yanomami soma cerca de 33 mil pessoas. Trata-se de uma sociedade que fala diversos dialetos, e que está dividida em mais de 600 comunidades distribuídas pelos dois países. Isso “faz deles um dos maiores grupos ameríndios da Amazônia que conservam em larga medida seu modo de vida tradicional”, conta o antropólogo Bruce Albert em “A queda do Céu”, livro escrito em parceria com o xamã Davi Kopenawa Yanomami.
No idioma desse povo, “Yanomami” significa “ser-humano”. É um termo que eles usam para se referir a si mesmos, em oposição aos napë — os “brancos” ou os “inimigos”. Na sua cosmologia, os Yanomami foram criados por um demiurgo chamado Omama, que dotou a sociedade de regras. “Omama tinha muita sabedoria”, explica Kopenawa em A Queda do Céu. “ Ele soube criar a floresta, as montanhas e os rios, o céu e o sol, a noite, a lua e as estrelas. Foi ele que, no primeiro tempo, nos deu a existência e estabeleceu nossos costumes”.
Os Yanomamis são caçadores e agricultores que vivem em sociedades onde a vida é comunitária e onde a divisão das tarefas é feita de acordo com o gênero. Todos moram em grandes casas circulares chamadas “yanos” ou “shabonos”. Costumeiramente, as mulheres cultivam a terra, produzindo vegetais que, estima-se, respondem por 80% da alimentação das comunidades. Já os homens ficam responsáveis pela caça. De acordo com os hábitos dos yanomami, um caçador não pode comer o animal que abateu. A carne é compartilhada pelo grupo, e os homens somente consomem a carne obtida por outro caçador.
Para saber mais, leia as matérias:
>>Quem são os yanomami, o povo que segura o céu
>>Dario Kopenawa – não quero que meu povo, os Yanomami, morra novamente
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