Ser mulher precisa deixar de ser um risco
Estou cansada de pensar em proteção. Não podemos terminar relacionamentos em segurança; não podemos confiar em que se deita ao lado; nem garantir que chegaremos em casa vivas
Rede Lume de Jornalistas
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Por Cecília França*,da Rede Lume de Jornalistas
Claudia dormiu ao lado de seu namorado e foi assassinada por ele; Jennifer (nome fictício) pegou um transporte por aplicativo e acabou estuprada pelo motorista; Maria Sirlene sofreu um ataque a facadas ao tentar terminar o relacionamento com seu ex-companheiro.
Todos esses casos aconteceram em Londrina, Paraná. Claudia Ferraz Maceu foi a primeira vítima de feminicídio consumado em Londrina em 2024, no dia 8 de fevereiro. Deixou três filhos. Em nota pública sobre o caso, Néias — Observatório de Feminicídios Londrina ressalta que o ciúme, alegado pelo feminicida, decorre do sentimento de posse sobre a mulher.
No mesmo dia 8 de fevereiro, José Edinaldo Batista Ferreira estava sendo julgado no Tribunal da Comarca pela tentativa de feminicídio de Maria Sirlene da Silva, cometida em março de 2015. Além da violência sofrida, Maria teve que esperar quase 9 anos por uma resposta da justiça. Também em nota, Néias destaca que houve revitimização durante o julgamento “por meio de questionamentos sobre seu comportamento e exaltação das ditas ‘qualidades’ do agressor”.
A jovem Jennifer estava se divertindo com amigos quando, ao tentar retornar para casa de madrugada, foi vítima da violência brutal do estupro, na madrugada da sexta-feira de Carnaval. Em uma mensagem que enviei para companheiras de uma organização feminista sobre esse caso expus que é horrível termos que pensar o tempo todo em proteção, mas é o que está posto. E está posto por uma sociedade machista e misógina que nos desumaniza.
Não podemos terminar relacionamentos em segurança; não podemos confiar em que se deita ao nosso lado; não podemos, sequer, garantir que chegaremos em casa em segurança, sem que nossos corpos sejam violados.
Não suportamos mais ter de nos preocupar em andar em grupos, em não beber além da conta, em decorar sinais e telefones de emergência. Claro que políticas públicas de segurança são essenciais para nos manter vivas, mas não estão conseguindo sozinhas. Precisamos de mudanças culturais em caráter de urgência.
Como bem diz a presidenta do Néias, antropóloga Martha Ramírez Gálvez, “é preciso pensar outras formas de se relacionar”, que não passem pela posse do homem sobre a mulher. E como diz frase que, vez ou outra, circula nas redes sociais: “Não ensinem suas filhas a não ser estupradas, ensinem seus filhos a não estuprar.” E a não matar. E a respeitar atos e decisões.
Ser mulher precisa deixar de ser um risco.
*Cecília França é jornalista, editora da Rede Lume e especializada em Direitos Humanos.
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